terça-feira, 23 de novembro de 2010

Aranã

Neste início de século XXI, a região de Coronel Murta e Araçuaí vive um momento muito importante de sua história: famílias identificadas pelo sobrenome Índio e famílias identificadas pelo apelido Cabocla reivindicam ao Governo Federal o reconhecimento de sua identidade enquanto povo indígena Aranã.
O assentamento (Fazenda Alagadiço), em 1994, de alguns representantes da tribo Pankararu no município de Coronel Murta, pela diocese de Araçuaí, foi um lampejo de esperança para famílias remanescentes da tribo Aranã que atualmente vivem nos municípios de Virgem da Lapa, Coronel Murta e Araçuaí. Grupo migrante oriundo do estado de Pernambuco, os Pankararu foram obrigados a sair de suas terras em função da construção de uma usina hidrelétrica.
Na fazenda Alagadiço, em Coronel Murta, vive grande parte das famílias Aranã. O convívio com o Pankararu, sua cultura e engajamento no movimento indígena, fez com que estas famílias despertassem para um processo de busca de sua origem étnica.

Representantes das tribos: Pataxó, Pankararu e Aranã
De acordo com a memória oral do grupo, que é constituído pela família de sobrenome Índio e pela família de apelido Cabocla, sua origem remete ao aldeamento de Itambacuri, local para onde foram levados vários índios Aranã, no século XIX.
“Com origem na história dos Botocudos, (...) os Aranã foram aldeados pelos missionários capuchinhos em 1873, no Aldeamento Central de Nossa Senhora da Conceição do Rio Doce, onde epidemias dizimaram a população. Alguns sobreviventes migraram para o Aldeamento de Itambucuri”. (Revista Povos Indígenas de Minas Gerais; 2000:16).
De acordo com o professor José Carlos Machado, "com a ferocidade do sangue botocudo nas veias, os Aranãs expulsaram as tribos mais mansas do Urupuca e Surubim e aí se estabeleceram. Mas não sobreviveram à luta com as tribos mais fortes na disputa por terras e alimentos. Além disso, o confronto com os colonos brancos e as doenças extinguiram completamente a tribo Aranãs."
Segundo a pedagoga e indigenista Geralda Chaves Soares, a Gêra, até o final do século XIX os Aranã eram guerreiros, donos da terra. Nessa época, o Vale do Mucuri começa a receber os emigrantes alemães que iniciaram a colonização na região de Teófilo Otoni. Os padres capuchinhos implantam uma nova catequese, criando o aldeamento indígena de Nossa Senhora dos Anjos de Itambacuri, que duraria até 1915. Geralda Soares conta que a história oficial registra o extermínio de mais de dois mil índios aldeados em Nossa Senhora dos Anjos. "Existem relatos de tráfico de crianças indígenas que eram levadas para serem criadas em fazendas."  Nestas condições, o povo Aranã perdeu sua terra, sua cultura, e foi se definhando, num exílio que parecia não ter fim. Dados históricos apontam para a extinção desse povo após um período de epidemias e dispersão de seus sobreviventes no Aldeamento de Itambacuri.
Nos áureos tempos do Coronel Murta, no início do século passado, um menino, "Mané Caboclo", sobrevivente dos Aranã em Itambacuri, foi levado, ainda quando criança, pela família Figueiredo para o Vale do Jequitinhonha e ali foi criado como escravo numa fazenda, juntamente com uma menina índia. Anos mais tarde, os dois se casaram e tiveram três filhos. Um deles, Pedro Inácio Índio de Souza, conhecido como "Pedro Índio" ou "Pedro Sangê", é o pai do atual povo Aranã através de um processo singular da identidade étnica do atual grupo: Pedro registra em cartório civil todos os filhos com o sobrenome “Índio”, transformando essa palavra substantiva no patronímico de sua família. Assim, ele e seus descendentes passam a se identificar e serem identificados como “Índio”.
A inserção do sobrenome Índio marca a necessidade de fazer presente na sua história a inscrição de uma origem étnica. Lembrados como homens de grande rebeldia, Manoel Caboclo e Pedro Sangê teriam enfrentado o sistema de escravidão através de atos, como este, de afirmação de uma identidade indígena e resistência à dominação.
Pedro Sangê, filho de Manuel Caboclo, transformou-se no patriarca do atual grupo Aranã, que habita Minas Gerais. Ele foi criado por fazendeiros em Virgem da Lapa (família Figueiredo), e neste município, provavelmente, foi registrado como Pedro Inácio Figueiredo, como assim consta na certidão de batismo de um seus filhos.
Descrito como homem de cabelos longos, que usava duas tranças, ele era muito respeitado por sua coragem e bravura, sendo que a sua imagem era imediatamente associada ao estereótipo indígena. Todavia, ao contrário da maioria dos indígenas, Pedro possuía o domínio da leitura e da escrita, o que surpreendia e aumentava o respeito por ele, que também era sacristão de Igreja, rezador, curandeiro, sapateiro e alfabetizador.
Considerado também como um índio desaldeado, Pedro Sangê, como era mais conhecido pelas festas que organizava, alfabetizou alguns de seus treze filhos.
Trabalhador em várias fazendas da região foi na Fazenda Campo, município de Coronel Murta, que Pedro Sangê permaneceu por mais tempo, constituindo a comunidade Aranã. Foi nesta região que a família Índio teve contato com a família “Cabocla”, originando o atual grupo étnico.
Ao contrário da família Índio, o nome “caboclo” não surge como sobrenome, mas como apelido, que remete a uma origem indígena, apesar do tom de desqualificação e “domesticação” que o mesmo implica.
Fixados historicamente na região de Coronel Murta, nas terras do Aldeamento dos Lorena dos Tokoyós, “Caboclos” e Índios, além de possuírem uma ancestralidade indígena, compartilharam o mesmo espaço territorial e o mesmo cotidiano de trabalho braçal nas fazendas. Nesse sentido, não é por acaso a união entre essas duas famílias.
Atualmente, a grande parte dos Aranã estão na Fazenda Alagadiço. Alguns vivem do artesanato e da atividade agropecuária, e uma das marcas registradas dos indígenas é uma bebida de cor avermelhada, denominada "Xamego" (mistura à base de uma planta denominada "quiabinho".)
Após anos de trabalho enquanto agregados, na década de 80, a Ruralminas (então órgão estadual de terras) emitiu documento de posse de terra para as famílias que para esta fazenda migraram em busca de sobrevivência. Contudo, uma família Aranã permanece na Fazenda Campo (Araçuaí-MG), onde a dificuldade de acesso, a relação de exploração do trabalho e o grave problema da falta de água (seca) marcam a realidade atual. Uma das filhas de Pedro Sangê, Rosa Índia, mora em Ponto dos Volantes.
A memória e o sentimento de pertencer a uma origem indígena se faz fortemente presente pelos descendentes de Manuel Caboclo. Para eles, o uso do sobrenome Índio foi a forma encontrada pela família de garantir o registro de uma identidade indígena, sendo também um ato de coragem e rebeldia conta a dominação a que eram submetidos.  Conscientes somente há pouco tempo, através do convívio com os Pankararu, de que os povo indígenas possuem direitos constitucionais, os Aranã se organizaram para conquistar o que lhes foi negado no passado: o direito de viver plenamente sua indianidade. Eles lutam para viver novamente em comunidade. A conquista do reconhecimento étnico oficial, que implica na demarcação de uma terra indígena é a principal luta desse povo, que solicita o apoio da sociedade mineira, profissionais e instituições para que a FUNAI dê início ao processo administrativo de reconhecimento oficial do grupo.
A organização não-governamental CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) foi solicitada pelos Aranã para registrar a sua história. Com uma equipe de voluntários, a entidade está realizando um estudo histórico antropológico sobre a etnia, que deve constituir como um importante instrumento político nesse processo de reconhecimento étnico oficial. O caso Aranã não se configura como o único em Minas Gerais, muito menos no Brasil. Vários são os casos de povos considerados extintos, que no final do século XX, contrariando a concepção e o senso comum do que é ser índio (corpo nu, cabelo liso, língua específica, entre outros), reafirmam sua identidade étnica e reivindicam seus direitos.

Texto e imagem retirados do site: http://www.cantaminas.com.br/indiosarana.htm

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